Em busca do tempo perdido

Em busca do tempo perdido

Jornal A Tribuna, 20 de novembro de 1954

Na crônica aqui publicada num destes dias sobre o romance “A Escada Vermelha”, a propósito da morte de Oswald de Andrade, referi-me aos personagens e ao cenário, este que era o da Ilha das Palmas, aqueles que eram habitantes daquele recanto esplêndido de nossa paisagem.

Referi-me também aos destinos dispersadores, que nos haviam fragmentado, de uma amizade que fizera um pequeno mas sólido agrupamento humano, tornando-os completamente distantes, na mesma área geográfica tão pequena.

A crônica foi lida por uma daquelas persongens. Veio esta de Vila S. Jorge, em São Vicente, à casa de dona Maria das Palmas, à avenida Senador Dantas, no Macuco. Alertou pedaços daquele bloco de personagens do romance, e um porta-voz nos procurou.

Na tarde de ontem, após 23 anos de separação, reencontramos a septuagenária que faz, na “A Escada Vermelha”, as vezes de Dona Amélia.

Tinha que ser um momento de emoção para o cronista, esse enconto, em que tantas ligações no tempo, reviviam, no abraço com que o recebia a velhinha que os anos não dobraram, e que um sorriso permanente fazia reflorescer, na recuperação de um passado, de que logo depois ressuscitávamos os afetos, as lembranças boas e más da vida de outrora – o tempo mais feliz de minha vida, em que eu tinha fé – os erros, os desentendimentos, o abrigo, a aventura, tudo aquilo que se foi, quando havia um ideal para se empunhar uma bandeira.

Soubemos então dos verdadeiros destinos: d. Maria das Palmas ali estava, recordando-nos alguns de seus 14 filhos, falando-nos dos seus netos e até dos bisnetos. Vitória Agonia voltou a esse passado de menina onde o romancista a encontrou. Quincio, hoje com a sua barraca verde na Ponta da Praia. Isabel que tem uma menina, talvez na mesma idade daquele tempo em que nadávamos até a Fortaleza Velha. Oswaldo – homem da Docas – que veio estabelecer a ligação – e era um menino que protegia Clarinha numa das peripécias em que ela se meteu… E agora era pela mão de Odete – sua esposa – que encontrávamos a moradia dos principais personagens da “A Escada Vermelha”.

Que é que o leitor tem com isso?

O Leitor, ocasionalmente, poderá conhecer algumas dessas pessoas. Poderá não as conhecer. Isto significa, entretanto, de qualquer forma, um testemunho da vida, e quando a vida se prende à arte, como acontece neste caso, algo sobrevive ao anônimo cotidiano, a rotina dos destinos inexpressivos, na palpitação criadora de heroísmo, de corações, de uma coragem de viver que sobrepassa a estagnação da morte.

É a vida que flui, a arte que permanece, e entre o que passa, e o que fica, os homens traçam a sua grandeza e a sua dignidade. Falar desses personagens é evocar, nessa paisagem, num tempo intensamente vívido, as esperanças, a bondade, o amor, o esforço generoso que nunca buscou recompensa. São coisas pelas quais ainda valeu a pena ter vivido.

Pt