Para não esquecer Pagu
Lúcia Teixeira – Escritora, psicóloga e educadora, presidente da Unisanta e do Semesp
Final de Outono me lembra Pagu. Mesmo com todas as pesquisas e os livros que escrevi sobre ela, Patrícia Rehder Galvão continua uma personagem com muitos roteiros e muitos finais abertos para quem resolve mergulhar na sua história.
Dia 9 de dezembro de 1910 Patrícia nasceu em São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Para os astrólogos, a geminiana teria uma curiosidade muito aguçada e seria antenada com a modernidade, com a comunicação e com o conhecimento amplo.
Patrícia virou Pagu, Pagu virou Patrícia e essa dualidade acho que sempre esteve presente em suas muitas vidas. Pagu completaria hoje 111 anos, mas Pagu, eu sei, não tem idade. Pessoas que acreditam, que assumem suas paixões e suas angústias, que buscam seus sonhos, não envelhecem.
Ela não parou de se revelar e se reinventar por toda sua vida. Era uma mulher do século passado que hoje seria moderna, pós-moderna. Seus ideais continuam atuais, mais atuais do que nunca.
Ela procurava, freneticamente, o que lhe faltava: a completude que todos perdemos e pela qual ansiamos. Afinal, enquanto uma parte de nós busca a liberdade de ser um indivíduo pleno, a outra parte está sempre à procura de alguém, alguma causa à qual entregar a própria liberdade.
Patrícia Galvão tem uma biografia extraordinária. Entregou-se de corpo e alma em várias frentes culturais e políticas, movida por ideais como a justiça social e a transformação da pessoa por meio da cultura. Ainda lutamos por isso, não acham?
De musa modernista, amor de Oswald de Andrade, até seus últimos anos em nossa Santos, Pagu passou por sofrimentos em presídios políticos, pela militância comunista, e depois dissidência por essa mesma política, por muitas viagens e inúmeras tentativas de ser feliz com seus sonhos.
Como biógrafa de Pagu, acredito que um dos períodos de maior intensidade foi justamente sua militância cultural. Quando se casou com o jornalista Geraldo Ferraz e veio para Santos, na década de 50, manteve intensa atividade como cronista e crítica literária, além de se envolver cada vez mais com teatro amador, sua paixão.
Muitas dores físicas e mentais acompanharam sua trajetória. A mulher libertária e suas buscas talvez pareçam ilusórias para quem acredita na ditadura do imperativo do gozo, individualista e hedonista. Neste 2021, nunca foram tão necessários seus sonhos de mundos imaginados que nos abrem caminhos, nos movem, dando razões para desejar e buscar realidades melhores.
Ela ainda tem muito a nos dizer. Uma fala que busca raízes no terreno incerto e perigoso dos atos, das práticas, da existência, sempre como síntese imperfeita. E, assim, nos faz companhia na luta, crença, valores, paixão, desejo e emoção.
Sinto que sua história continua, 111 anos depois, em cada um de nós que vai em busca da sobrevida por meio dos sonhos, ideias, afetividade e desejos, que são, afinal, o que nos dá condições de existência.
Pagu acreditava na vida que flui, na arte que permanece. Eu também. Entre o que passa e o que fica, os homens traçam a sua grandeza e a sua dignidade. Falar de Pagu, mais uma vez, é evocar, nessa paisagem cinzenta em que vivemos, a esperança, a bondade, o amor, o esforço generoso que nunca buscou recompensa.
E assim como ela, eu digo: “Sonhe, tenha até pesadelos se necessário for, mas sonhe”