Eternamente Pagu
Por Daniela Nakamura
Acadêmica de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina
Insatisfação, rebeldia, inovação. Palavras que ajudam a definir o comportamento da escritora, jornalista e ativista política Patrícia Rehder Galvão, que usou o apelido Pagu, dado pelo poeta Raul Bopp, como um nome de guerra. Suas atitudes atrevidas já preocupavam seus pais, ricos e conservadores, desde quando estudava na escola normalista, em São Paulo. A alma provocadora ganha força quando é apresentada aos modernistas do movimento de 1922, como Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Tinha pouco mais de vinte anos na época.
Eternamente Pagu mostra a trajetória de luta, talento e insatisfação dessa mulher visionária, indignada com os abusos do governo de Getúlio Vargas, com a exploração do proletariado e com a hipocrisia da burguesia brasileira. O filme, apesar de mostrar o talento literário de Pagu (Carla Camurati), e de ser permeado com seus versos e frases junto à trilha sonora, destaca mais a sua militância política – a participação em comícios e greves; o sofrimento durante as prisões e as viagens pelo mundo.
Pagu e Oswald de Andrade (Antônio Fagundes) se apaixonam, mas mantêm uma relação secreta, já que o poeta era casado com a pintora Tarsila do Amaral. Em 1930, os dois se casam, oficializam a todos a relação e têm um filho, Rudá. A separação foi um escândalo para a época. Pagu, numa viagem a Buenos Aires, conhece e entrevista “o cavaleiro da Esperança”, Luis Carlos Prestes, com quem sempre sonhava e de quem comentava com sua irmã, Sidéria (Nina de Pádua).
Oswald e Pagu, já filiados ao Partido Comunista, fundam o jornal O homem do povo, onde apontam a submissão e apatia das mulheres da burguesia, a exploração dos proletários e criticam os estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, reduto da burguesia, segundo eles, atrasada e hipócrita. A primeira prisão de Pagu retratada no filme acontece após sua participação em uma greve de estivadores (organizadores de cargas para embarque e desembarque nos portos) em Santos. Fora capturada pela polícia política de Getúlio Vargas.
Em 1935, Pagu foi presa novamente por ser comunista estrangeira, com identidade falsa. Consegue ser repatriada ao Brasil, mas ainda seria presa por relações com o Partido Comunista, e castigada por sua insubordinação às autoridades. No filme, um dos exemplos dessa desobediência ao poder instituído se dá quando o interventor federal Ademar Pereira de Barros, nomeado por Getúlio Vargas, visita a cadeia onde Pagu estava presa, e ao contrário do que fora ordenado pelos agentes prisionais, ela se nega a cumprimentá-lo.
Somente em 1940 consegue a liberdade, depois de quase morrer nas prisões. Nesse tempo em que é torturada, seu filho Ruda é criado por Oswald. Pagu então se desfilia do Partido Comunista e passa a defender o socialismo da linha de Leon Trotsky. O amor de Oswald e Pagu não foi capaz de resistir ao vai-e-vem das prisões, e Pagu acaba se casando com o jornalista Geraldo Ferraz (Otávio Augusto), que lhe possibilita que retome o seu trabalho e com quem fica até o fim dos seus dias. Com Geraldo, tem seu segundo filho, que fica com o mesmo nome do pai. Desesperada e decepcionada por estar doente dos pulmões, com limitações de viver a vida como uma aventura e de modo incerto, como sempre fez, Pagu tenta o suicídio, mas sobrevive. Sobre o caso, o filme traz as próprias palavras da escritora: “Uma bala ficou para trás, entre gazes e lembranças estraçalhadas”.
O filme é importante não só para saber quem foi Pagu, mas principalmente para entender um pouco do clima da época em que artistas tentavam conhecer melhor o país, criticando seus atrasos em meio à ditadura do Estado Novo, e denunciando a imitação cultural e os excessos na linguagem. Mostra-se ainda como um exemplo atual, de enfrentamento de abusos políticos, da irreverência e da luta por ideais. Eternamente Pagu foi indicado na categoria de Melhor Filme no Festival de Gramado de 1988 e venceu nas categorias de Melhor Atriz, com Carla Camurati e de Melhor Trilha Sonora.
FICHA TÉCNICA
Título original: Eternamente Pagu
Produção: Brasil, 1987
Direção: Norma Bengell
Duração: 101 min
Roteirista: Márcia de Almeida, Geraldo Carneiro, Norma Bengell
Trilha: Turíbio Santos, Roberto Gnatalli
Elenco: Carla Camurati, Antônio Fagundes, Esther Goés, Nina de Pádua, Otávio Augusto